Recentemente o movimento antivacinação foi incluído pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em seu relatório sobre os dez maiores riscos à saúde global. De acordo com a Organização, os movimentos antivacina são tão perigosos quanto os vírus que aparecem nesta lista porque ameaçam reverter o progresso alcançado no combate a doenças evitáveis por vacinação, como o sarampo e a poliomielite. Ainda segundo a OMS, as razões pelas quais as pessoas escolhem não se vacinar são complexas, e incluem falta de confiança, complacência e dificuldades no acesso a elas. Há também os que alegam motivos religiosos para não se vacinar ou a seus filhos. “A vacinação é uma das formas mais eficientes, em termos de custo, para evitar doenças. Ela atualmente evita de 2 a 3 milhões de mortes por ano, e outro 1,5 milhão poderia ser evitado se a cobertura vacinal fosse melhorada no mundo”, afirma a OMS.
Entretanto, os movimentos antivacina vêm crescendo no mundo todo, inclusive no Brasil, que sempre foi exemplo internacional. Segundo dados do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde (PNI/MS), nos últimos dois anos a meta de ter 95% da população-alvo vacinada não foi alcançada. Vacinas importantes como a Tetra Viral, que previne o sarampo, caxumba, rubéola e varicela, teve o menor índice de cobertura: 70,69% em 2017. De acordo com especialistas em saúde pública, se a vacinação da população brasileira fosse adequada, um novo surto de sarampo não se estabeleceria no País. Segundo o Ministério da Saúde, anualmente são aplicados cerca de 300 milhões de doses de 25 diferentes tipos de vacinas, em 36 mil postos de saúde espalhados por todo o Brasil. Ou seja, não faltam vacinas gratuitas e nem acesso a elas.
O professor Dr. Carlos Graeff Teixeira, do Grupo de Parasitologia Biomédica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), sugere que os cientistas brasileiros acelerem um movimento de divulgação sobre a utilidade das vacinas, com informações científicas sobre os seus benefícios, com mensagens positivas e de esclarecimento, inclusive reverenciando cientistas que já lutaram esta luta, como Oswaldo Cruz. Para ele, é preocupante o ressurgimento de infecções onde a cobertura vacinal caiu. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Presidente da Academia Americana de Pediatria (AAP, em inglês) Kyle E. Yasuda, enviou cartas aos CEOs de três grandes empresas de tecnologia – Google (proprietária do YouTube), Facebook (proprietária do Instagram e WhatsApp) e Pinterest – destacando a crescente ameaça que a desinformação online de vacinas representa à saúde das crianças. O documento “AAP Urges Major Technology Companies to Combat Vaccine Misinformation Online” ressalta que embora pesquisas científicas robustas demonstrem que as vacinas são seguras, eficazes e que salvam vidas, o conteúdo impreciso e enganoso se prolifera online. À medida que os pais recorrem cada vez mais às mídias sociais para coletar informações e formar opiniões sobre a saúde de seus filhos, as consequências de informações imprecisas são exibidas offline. “Embora o Facebook, o Google e o Pinterest tenham indicado que estão tomando medidas para lidar com as vulnerabilidades únicas em suas respectivas plataformas, a Academia pede que seja feito mais para garantir que os pais estejam equipados com informações confiáveis de fontes confirmadas sobre vacinas”, diz a carta.
Uma nova pesquisa publicada, em março, na Revista Vaccine “It’s not all about autism: The emerging landscape of anti-vaccination sentiment on Facebook“ descobriu que o conteúdo anti-vax no Facebook agora adota crenças genuínas, incluindo a ideia de que a poliomielite não existe. Ainda de acordo com a reportagem, os pesquisadores descobriram que os anti-vaxxers agora incluem vários grupos distintos, incluindo pessoas vendendo remédios alternativos (como o iogurte para o HPV). O Dr. Peter Hotez, reitor da National School of Tropical Medicine Baylor College of Medicine (em inglês) afirma que isso tende a confirmar a profundidade e amplitude de como o Facebook está promovendo o movimento antivacina. Todos os anos, 1,5 milhões de crianças em todo o mundo morrem de doenças que podem ser evitadas com vacinas – e os chamados “anti-vaxxers” contribuem para isso. Para saber mais sobre os movimentos antivacina, a assessoria de comunicação da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT) conversou com o Dr. Peter Hotez, cientista que explica em seu livro por que as vacinas não causam o autismo e por que os teóricos da conspiração precisam ser desafiados. Confira a entrevista abaixo na íntegra:
SBMT: Por que os movimentos antivacina ganham força no mundo?
Dr. Peter Hotez: Porque eles evoluíram de um grupo pequeno para se tornar seu próprio império de mídia com 500 websites impulsionados pelas redes sociais, especialmente pelo Facebook, mas também estão dominando o comércio eletrônico em sites como Amazon – a Amazon hoje é o maior promotor de falsos livros antivacinas. O ponto é que a maior parte das informações na internet sobre vacinas é falsa.
SBMT: Podemos dizer que a recusa de vacinas é um fenômeno basicamente de classe A e quase todos os casos de recusa de vacinas são de pessoas de categorias socioeconômicas elevadas?
Dr. Peter Hotez: Pode ser verdade em relação ao estilo do movimento antivacina dos Estados Unidos, e possivelmente também do Europeu, mas em outras partes do mundo esse movimento antivacina toma outras formas. Eu me preocupo que o movimento antivacina americano possa se espalhar para uma nação como o Brasil, com conseqüências desastrosas.
SBMT: Em sua opinião, todos os argumentos médicos contrários às vacinas são absolutamente fáceis de se desmentir do ponto de vida cientifico? Por quê?
Dr. Peter Hotez: A ciência esmagadoramente apóia as vacinas. No meu livro ‘As vacinas não causaram o autismo de Rachel‘ eu forneço evidências em mais de um milhão de crianças de que as vacinas não causam autismo, também discuto a ciência do autismo e como ela começa no início do desenvolvimento fetal – ainda na gravidez. O lado pro-vacinação ganha o lado da ciência, mas estamos perdendo ou talvez já tenhamos perdido a guerra da mídia.
SBMT: O senhor acredita que posicionamentos mais firmes da academia, da mídia e de demais formadores de opinião podem ajudar?
Dr. Peter Hotez: Sim, é importante que acadêmicos exponham suas idéias e assumam um papel mais público. Simplesmente escrever artigos para periódicos acadêmicos não é mais suficiente para combater as guerras de informação ou as guerras de mídia. Eu acredito que o público precisa se identificar com os cientistas. Eu escrevi sobre isso em Plos Biology em um artigo intitulado “Moldando sua marca de cientista”.
SBTM: As vacinas são vítimas do seu próprio sucesso como instrumento de imunização? Por quê?
Dr. Peter Hotez: Talvez até certo grau, pois em países como o Brasil os pais raramente veem sarampo. É claro que isso também está mudando por um motivo diferente com a epidemia de sarampo na Venezuela e a diáspora venezuelana na Colômbia e Amazonas e Roraima no Brasil. Ainda assim, no meio de surtos de sarampo nos EUA, o movimento antivacina ainda está promovendo uma nova legislação antivacina.
SBMT: Especialistas atribuem o fenômeno à falta de investimento governamental em prevenção e aos movimentos antivacinas. O senhor concorda?
Dr. Peter Hotez: Eu acredito que os governos devem fazer mais para promover a defesa da vacinação. Por exemplo, o governo australiano acaba de lançar uma campanha de promoção de vacinas de US$ 12 milhões. É lamentável que tenhamos que investir dinheiro para esse propósito, mas até que tomemos o passo ousado de desmantelar o império de mídia antivacina, acho que será necessário.
SBMT: Se a vacinação é uma das melhores ferramentas para se prevenir doenças e salvar vidas, por que ela tem sido aceita de maneira tão negativa pela população?
Dr. Peter Hotez: Falei um pouco sobre isso acima. É a falsa campanha de desinformação que agora domina a internet. Nós ainda não entendemos a motivação deles. Em alguns casos, eles estão ganhando dinheiro vendendo remédios falsos e prejudiciais contra o autismo, em outros casos, alguns alegam que bots e trolls russos estão envolvidos, mas acho que realmente não sabemos.
SBMT: O movimento antivacinação foi incluído pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em seu relatório sobre os dez maiores riscos à saúde global em 2019. Para o senhor, o que podemos esperar deste movimento em curto e médio prazo e o que pode ser feito?
Dr. Peter Hotez: Estou aliviado que a OMS finalmente reconheceu a ameaça do movimento antivacina. Eu dei o primeiro alerta em 2017 em um artigo no New York Times chamado “Como os “antivaxxers” [“ativistas anti-vacinas”] estão ganhando”, mas ainda em 2016 eu escrevi uma peça na Plos Medicine chamada “Texas e a sua epidemia de sarampo”, então é bom que tenha chegado ao nível da OMS, mesmo que estejam um pouco atrasados. Mas agora, desmantelar o império de mídia antivacina vai ser bastante trabalhoso e eu não tenho certeza se existe a vontade política para enfrentá-lo. Eu lancei minha própria campanha, mas no final eu sou apenas um pediatra acadêmico, cientista e pai de uma filha adulta autista que escreveu um livro. Nós precisaremos de muito mais que isso!
Fonte: https://www.sbmt.org.br/portal/anti-vaccine-movement-is-one-of-the-ten-threats-to-global-health/